Será que já nos demos conta de que não há espaço para neuroses no Evangelho?

Nas parábolas e nos relatos do Evangelho vive-se sempre o aqui e o agora. Não se vê pessoas olhando para o passado, remoendo angústias, se consumindo de ansiedade face ao porvir.

Jesus é extremamente prático e realista e, ao mesmo tempo,  compassivo, amoroso  e misericordioso.Vive momentos de dor emocional profunda  (quando chora por Jerusalém ou pela morte de um amigo, Lázaro) ou diante da perspectivade carregar em si mesmo, na cruz, os pecados do mundo.

Vive momentos de contemplação e êxtase, quando “louva o Pai por revelar mistérios aos pequeninos” ou quando fala da “beleza dos lírios do campo” ou do cuidado do Pai com simples pardais.

“Quem põe a mão no arado não olha para trás”.

Jesus não desperdiça tempo com conversas inúteis, que não levam a nada. Aliás recomenda que “não se dê pérolas aos porcos” ou que “sacudam a poeira do chão grudada nas sandálias das comunidades que rejeitarem sua palavra”.

Permanece em silêncio quando palavras em excesso são inúteis ou ineficazes. Diante da mulher flagrada em adultério, por exemplo, quando se dobra no chão. Ou diante de Pilatos, que parecia mais interessado em questões talvez filosóficas sobre sua realeza, sobre o que seria a verdade.

Começando do começo:

Qual a reação da mãe de Jesus quando o anjo lhe anuncia que será mãe do Salvador?

Ela não duvida nem demonstra medo ou ansiedade. Em palavras de hoje ‘não se apavora’.

Apenas ‘pede esclarecimentos’ ao anjo, por ser virgem. Logo em seguida “vai apressadamente” para servir. A missão de seu filho é servir. É hora de pôr a mão na massa.

Maria, José, Jesus, Isabel, Zacarias vivem num ambiente de entrega, de confiança, de amor. Mesmo quando os pais de Jesus ouvem as palavras da profetisa Ana e de Simeão. Ou quando ele some no meio de uma multidão em peregrinação.

Em alguns dos encontros Jesus com interlocutores/as há momentos de ‘reflexão teológica’ como na conversa com Nicodemos. Ou de pura revelação diante da Samaritana. Feitos com uma divina pedagogia. Seja com um homem letrado, seja com uma mulher pecadora, com quem inicia um diálogo pedindo uma gentileza. Um copo d’água.

Jesus se engaja numa  conversa, argumenta, quando percebe que há uma vontade, um desejo no/a interlocutor/a de conversão. De encontrar a verdade que “estava escondida” e que Ele veio revelar aos homens “na plenitude dos tempos”.

Na parábola do mal administrador ou do pai misericordioso vê-se nos protagonistas um senso de pró-atividade, de decidir e, em seguida,  agir.

O filho percebe que se meteu numa roubada.  Toma a decisão e parte ao encontro do pai. O administrador também se vê em apuros e, diante das possibilidades impraticáveis (mendigar, cavar) opta por agir com esperteza e praticidade.

Quando Jesus fala da necessidade de pormos em prática suas palavras, chama nossa atenção para a sensatez ou, talvez, para um pensamento estratégico: se você é rei e não pode enfrentar um exército poderoso ou vai realizar uma construção complexa, seja pró-ativo. Veja as consequências de seus atos ou da omissão. Ou seja: tome uma atitude antes de um desastre.

É isso que se vê em Zaqueu: se encontrei a salvação (como o colecionador de pérolas ou o homem que descobre um tesouro num terreno) preciso tomar uma decisão agora mesmo e colocá-la em prática já. Com alegria. Pois isso pode fazer a diferença entre a vida e a morte eterna.

Temos que perseverar como a mulher que procura uma moedinha numa casa escura ou como um homem que bate à noite na casa de um amigo para pedir um pão. E deixa muito claro os perigos no caminho: uma semente que se perde, outra que não resiste a provações ou outra sufocada pelos atrativos e prazeres do mundo. Embora filho do Todo Poderoso, é muito realista mostrando a dura realidade de que “os grandes dominam as nações e as subjugam”.

Jesus sabe que podemos  facilmente ser presas de medos, de dúvidas. Sabe de nossa fraqueza e de nossa inconstância. Por isso repreende Pedro quando este teme se afundar ao ir ao seu encontro caminhando sobre as águas. E chega expressar um sentimento de cansaço quando diz “homens de pouca fé !”. Ou se surpreende com a fé e a humildade de um centurião romano.

Perde a paciência quando vê pessoas fazendo negócios no templo (“o zelo da tua casa me devora”) ou diante dos falsos líderes que são como “sepulcros pintados de branco e cheios de imundície por dentro”.

Morre num suplício, numa agonia inimaginável, sentindo-se abandonado, mas, ainda assim, obediente até o fim.

Cheio de compaixão, intercede ao Pai para que perdoe aqueles que o crucificaram. Suas palavras ao homem do seu lado na cruz, demonstram que, até nos últimos momentos da sua vida, está pronto para perdoar e converter.

Quando ressuscitado, está pleno da Glória do Pai. Consistente com suas palavras antes da paixão, quando se refere à hora “glorificar o Pai”.

Uma vez ressuscitado, quer nos livremos de toda espécie de medo e repete: Shalom!

Que significa plenitude de vida, de comunhão com o Pai e harmonia com a vida. E revela a natureza da Trindade. A vida de Deus em nós pelo Espírito Santo. “Como o Pai me enviou, eu vos envio”.

Ser discípulo/a agora é converter e batizar em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ter sua vida dentro de nós.

Diante de nossas emoções negativas, medos e ansiedades, de modo consciente, que tal entregá-las Àquele que nos oferece o descanso?

Como disse uma mulher e grande evangelizadora, Tereza d’Ávila:

“Nada te turbe, nada te espante. Todo se pasa, Dios no se muda. La paciencia todo lo alcanza. Quien Dios tiene, nada le falta  Sólo Dios basta!”

Alvaro Milanez, 16/09/22.

2 opiniões sobre “Jesus, assertividade e plenitude existencial

  1. O que realmente importa. Olhar o mais importante: O Senhor que está presente. Na alegria, na dor, na perda, na esperança, na concretização de um sonho. Não se apavorar é focar na direção Dele.
    Obrigada pelo texto.

  2. Sim, Márcia, essa é a atitude que importa. Mesmo quando caminhamos no escuro, por longos períodos, mesmo que o vazio nos invada por uns tempos, ou a injustiça pareça triunfar, o Eterno está à nossa volta e por fim nos levantaremos livres, venturosos,

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