Anotações de palestra dada por André Prevato no Encontro Psicologia e Comunhão – Indo além das fronteiras em 17/ 09/2022, no Centro Mariápolis Ginetta, S.P.
Exposição que alarga a compreensão sobre o sofrimento humano, que não se reduz a uma dimensão intrapsíquica, mas que é atravessado por fatores socioculturais, espirituais, políticos, econômicos, estéticos.
O palestrante é sociólogo, morador da Comunidade Mariápolis Ginetta, S.P,, tem mestrado com ênfase na História da subjetividade. De classe média paulistana, com tempo de estudos na Europa. Envolvido com 147 famílias, trabalha com jovens periféricos de São Paulo, num ambiente caótico, pobre, violento. Também se relaciona com uma comunidade quilombola.
Ageu HL, anotador.
“… A sociologia, como a psicologia, também se interessa pelo sofrimento humano, de indivíduos e grupos sociais. Nos lembra que o sofrimento humano tem várias categorias. Ou camadas. Camadas que se superpõem.
Considerar sim, uma contribuição da teologia que enxerga nos evangelhos uma opção preferencial pelos pobres, mas não entender pobreza apenas na dimensão material ou econômica. Tem-se várias camadas de sofrimento e de vulnerabilidades: o ser pobre, negro/a, mulher, criança, indígena, favelado, migrante, estrangeiro, pessoa com deficiências, lgbts, desempregado, refugiado, iletrado.
Todos buscamos inserção social. Isso é especialmente vital para adolescentes e jovens. Mas … temos fronteiras e muros entre nós.
Existem mais semelhanças entre habitantes de centros iluministas brasileiros e europeus do que entre brasileiros de camadas sociais distintas. Grande distância cultural e simbólica entre um morador periférico de grande cidade e alguém de bairro de classe média.
O pertencimento a um grupo social, a localização geográfica, as marcas identitárias condicionarão barreiras ou acessos diferentes aos bens da cultura, à tecnologia, boas escolas, equipamentos de saúde, oportunidades de trabalho. Desta forma encontramos várias infâncias e juventudes – A idade apenas pouco conta. O tipo de juventude depende dos contextos condicionadores”.
Prevato lembra de aspectos frios, brutais mesmo, desta nossa realidade social fragmentada, com hierarquias, castas e exclusões. E que muito afetam o psiquismo de adolescentes e jovens. “O jovem de periferia fica ressentido vendo de sua janela os ricos, os shoppings centers, com tudo que ele não pode ter. Muitos sofrem na busca de ascensão social ou obtenção de reconhecimento. Daí querer comprar identidade com tênis, roupa de marca, celular de última geração, se endividando…”.
“Um autor explica isso. François Dubet no livro O tempo das paixões tristes: As desigualdades agora se diversificam e se individualizam, e explicam as cóleras, os ressentimentos e as indignações de nossos dias. Estes jovens periféricos tomados por paixões tristes acabam sendo atraídos pela estética do Coringa”*.
“Antes da democracia as divisões sociais, as castas eram tidas como naturais, legitimadas e racionalizadas como obra do destino, karma, vontade de Deus”.
Muito discurso liberal sobre suposta livre-competição, justiça e igualdade social escamoteia as diferenças; “falar de meritocracia será uma falácia se não se considera contextos e pontos de partida, estrutura familiar, acesso a recursos e oportunidades educacionais e empregabilidade. Ocorre o Darwinismo social”.
Então, voltando a falar de paixões, Prevato lembra de Spinoza, o filósofo que nos lembra o poder das paixões e dos bons encontros. Quando se tem paixões positivas, alegres, vínculos fraternos, a esperança se fortalece, a vida se fortalece. É o que nos interessa como atores sociais e cristãos. Daí propõe:
Estratégia de vínculos positivos:
Projetos que oferecem oportunidades de acolhimento, escuta, aprendizados e empregabilidade reativam esperanças, fazem decrescer ou elimina o consumo de drogas e violência.
Com vínculos afetivos e apoios concretos, desperta-se a esperança, melhora a saúde, favorecem-se as relações familiares, o rendimento escolar e empenho pelo futuro.
Rede natural de apoio – Mães e avós são sempre as mais presentes na vida dos filhos. Peças centrais no processo da esperança. Referências sólidas.
Sobre métodos de intervenção, “A comunhão é o mestre e o método”. Paulo Freire: acentua: “Ninguém educa ninguém”. Crescemos com a reciprocidade. A relação com o outro nos surpreende e transforma”. Estar noutras culturas nos amplia o senso de humanitude.
Apostar nos vínculos e espaços de comunhão como forma de superar a sociedade do cansaço, da exaustão individualista, do desrespeito aos próprios limites em nome da performance e quebra de metas. Tema do autor sul-coreana Byung-Chul Han em Sociedade do Cansaço. Sociedade do Cansaço | Gente | Uma conexão Globo
* “Dubet examina os mecanismos que, em um período de flagrante desigualdade global, colocam na dianteira das reações sociais a raiva, o ressentimento e, muitas vezes, a competição com aqueles mais próximos de nós na escala social.”
La Nación
“Para François Dubet, a raiva individual que não encontra expressão política alimenta os movimentos populistas.”
Le Monde
Mariápolis, 17/09/2022
