
Tolkien era católico romano; Lewis, protestante anglicano. Não apenas nesse campo teológico, mas entre os dois havia grandes diferenças. Porém, a amizade era maior que as diferenças. E como todas as grandes amizades, a dos dois tiveram altos e baixos. Houve um esfriamento entre os dois na época em que Lewis casou-se com Joy Davidman — Tolkien tinha opinião contrária em relação ao casamento com pessoas divorciadas. Mas esse esfriamento não apagava os tempos em que se encontravam rotineiramente. Além dos relatos sobre a relação entre os dois amigos, podemos conhecer mais sobre o processo de criação de Tolkien e toda sua vasta mitologia, o que lança mais luz sobre o entendimento das histórias profundas e repletas de símbolos. Lewis não se aprofundara tanto na criação de seus mundos fantásticos, mas é igualmente interessante o processo de criação. Literariamente, Tolkien exercia mais influência sobre Lewis do que o contrário. Mas Tolkien admite que, sem Lewis, ele não conseguiria dar continuidade a sua mitologia.
“O dom da amizade” é riquíssimo em detalhes, o que não caberia numa resenha como esta. Mas ao término da leitura, podemos admirar ainda mais os grandes amigos e gênios da literatura. Ambos despertaram novamente o interesse pelos contos de fadas numa época em que eram destinados apenas para as crianças. Para os dois, os contos de fadas apontavam para uma realidade superior e, portanto, ainda mais verdadeira. Despertar aquele anseio e consolo, o que se chama de numinoso, era o cerne de suas obras. E tudo apontava para Cristo, perceberam. Até mesmo os mitos e lendas pagãos. Pois em Cristo o mito se torna fato. Mito, aqui, não tem o significado moderno. Mas mito como definição em termos de corporificação da visão de um povo ou cultura, possuindo assim um importante elemento de crença. Ou seja, a crença em um salvador que nos reconciliaria a Deus tornou-se fato em Cristo Jesus, pois o mito — a crença — casou-se com o fato — Jesus como homem no espaço-tempo da História.
J. R. R. Tolkien e C. S. Lewis: O dom da Amizade, Colin Duriez, 304 p., Harper Collins, 2018.
