No livro Deus Em Questão, Armand M. Nicholi. Jr., psiquiatra, professor em Harvard, Estados Unidos, descreve um hipotético encontro entre dois gigantes da cultura ocidental. De um lado, Freud, leitor da Bíblia e inovador na exploração da psique, que rejeitou concepções religiosas e se firmou no ateísmo, deixando um grande legado que moldou a psiquiatria e a psicologia impactando todas as disciplinas e áreas da vida. Do outro, Lewis, 50 anos mais jovem, que desde novo se afastou emocional e intelectualmente de suas raízes anglicanas para depois voltar à fé cristã, literato e pensador, cujas obras exercem grande influência 60 anos após sua morte.


Nicholi extrai das obras e biografias de Freud e Lewis conceitos nucleares de suas cosmovisões e antropologias, ilustrados com confissões que os aproximam de qualquer leitor. Seus dramas familiares, iniciação religiosa e sexual, adoecimento e perdas, embates da vida acadêmica exemplificam o debate de ideias. Ambos viveram tempos sombrios e sofreram diretamente os efeitos de duas guerras, o que lhes possibilitou condições de observação e análise dos potenciais destrutivos e criativos dos humanos.
O diálogo contempla questões que animam os humanos desde sempre: o sentido da vida e da morte, a sexualidade, o amor, a questão do mal e do sofrimento e a existência de Deus.


A peça “A última sessão de Freud” – dirigida por Elias Andreato e encenada por Odilon Wagner (Sigmund Freud) e Claudio Fontana (C. S. Lewis) – dá vida ao texto do livro Deus Em Questão – C. S. Lewis e Freud debatem Deus, amor, sexo e o sentido da vida. A boa notícia é o lançamento do filme “Freud”s Last Session” previsto para 22 de dezembro em Nova York e Los Angeles, de olho nas premiações para o cinema do início de 2024.
Na peça, as falas dos personagens dissecam a alma humana com seus conflitos, emoções nebulosas, agressividade, dificuldades na convivência social. E ambos confessam lutas íntimas com a questão do reconhecimento ou rejeição que sofriam de pares e o narcisismo que os espreitava. Gigantes bem humanos!


No livro, os contrastes e as convergências entre duas visões de mundo são expostas com abundância de referências literárias. Leitura que nos amplia os horizontes de observação sobre a condição humana.


Um dos temas presentes no diálogo entre os dois é: “A dor e o sofrimento demonstram a não existência de Deus?”. Para Freud, o mal e o sofrimento seriam incompatíveis com a existência de um Deus soberano. Lewis vê de maneira diferente. Ele se aprofunda na questão da ausência de sentido do sofrimento que resiste às pressões de se fazer entendido e nos convoca para uma vivência tipo apofática, do silêncio, do não conceitual ou representável. É desfocar de si mesmo e focar em Deus.


Nicholi nos deixa uma importante provocação: talvez Freud e Lewis representem as partes conflitantes dentro de nós mesmos. Uma parte levanta a voz em desafio à Autoridade, dizendo com Freud: “Não me renderei jamais”; a outra, como Lewis, reconhece dentro de si um alento profundamente assentado por restabelecer um relacionamento com o Criador.

Ageu H. Lisboa                              Originalmente publicado na revista Ultimato Janeiro/Fevereiro 2024. p.45. https://www.ultimato.com.br/revista/artigos/405/o-encontro-entre-freud-e-lewis

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