Vivências familiares na última transição da vida.
Minha família vive desde o dia 17 de novembro/24, num tempo especial, sagrado, desde que meu irmão Júnior sobrevive numa UTI, pós transplante de rim. Êle é o décimo da prole de Abdênago e Iraci, de seis filhos e seis filhas.
O Júnior sempre foi o mais calado e arisco. Gostava das ruas e aprontava umas boas que deixavam pai e mãe em suspenso. Nenhuma maldade ou algo de mau caráter ou perigoso. Foi para a escola de engenharia em BH que largou no quarto ano para cursar teologia no Palavra da Vida (PV), em Atibaia. Lá conheceu a que é sua esposa Claudia Rathlef, filha e neta de missionários. https://youtu.be/7Au-fJKBtbo?feature=shared
Ele sempre o mais talentoso da casa. Calígrafo, conserta carro, eletrodomésticos, toca bem piano e violão, estudioso do grego e do hebraico, professor no (PV). Foi da equipe pastoral da 1ª Igreja Batista de Campinas, coordenando a área de ensino. Depois integrado na equipe da Igreja Batista Cidade Universitária – Igreja Fonte, agora.
A 17 anos perdeu o primogênito, Mateus, no dia que faria 16 anos, vitimado por câncer. Golpe tremendo para a família, após muito sofrimento. O Júnior, a Claudia e o Lucas, na época com 14, resistiram com a força da graça de Deus e as convicções de uma fé bíblica. Hoje o Lucas, com 30 anos, é pastor de adolescentes e jovens da mesma Igreja Batista Fonte onde pai e mãe estão ligados.
Sempre estudioso, o Abdênago escreveu folhetos evangelísticos e textos para Escola Dominical. E um primeiro livro: Aparentes Contradições da Bíblia https://www.amazon.com/Aparentes-contradi%C3%A7%C3%B5es-B%C3%ADblia-passagens-Portuguese-ebook/dp/B09LDF81N9.
De Campinas passou por Belo Horizonte dirigindo um pequeno grupo de estudos bíblicos. Atraiu alguns desigrejados e deslocados e atraiu familiares também. Como o apóstolo Paulo em Atenas, o Júnior observava a cidade; quase que adoecia pelo que via acontecer no campo religioso em BH. Crendices, invencionices, bizarrices atrapalhando os que desejam um ensino com profundidade bíblica e ética.
Passaram pela pandemia e mais um tempo. Gravou aulas em vídeos e escreveu breves comentários sobre alguns pontos controversos da Bíblia ou de práticas religiosas. Sempre trazendo uma boa lógica bíblica contra superstições e bobagens tidas como bíblicas. De BH foi para Paulo Afonso, BA. Trabalho de evangelismo e implantação de igreja. A esposa Claudia alfabetizava moradores criando materiais inovadores. Sofreram com o calor e as dificuldades para ele, um diabético tipo I, desde os 20 anos, ter socorro. De lá, via internet, se encontrava com o grupo de BH, ministrando ensino bíblico.
A Claudia viveu desde criança entre indígenas no Mato grosso. Sua mãe exercia cuidados médicos. Seu pai e mãe, além dos três filhos, adotaram 7 outros filhos – crianças a adolescentes, provendo para todos, lar, ensino artístico e bíblico, e tudo o mais. Seu pai e mãe, alemães, descendentes de estonianos. Conheceram miséria e outros sofrimentos. Mãe médica missionária. O pai, violinista e luthier. A Claudia, educadora formada pela Unicamp, especialista em educação especial. Deu aula no Colégio Porto Seguro, Vinhedo, SP, e na periferia de Campinas, como voluntária.
Nos últimos dois anos o Júnior assessorou o administrador- sócio de uma mega fazenda de café em Campos Altos, MG, região já tida como tendo o melhor café do mundo. Este empresário, louvado seja Deus, bancou suas publicações. O Júnior escreveu outro livro. Denso, fruto de muita pesquisa: O Jesus Humano. A Claudia montou escola de alfabetização e de recuperação para crianças pobres, pobres. O Júnior fazia exames médicos periódicos em Campinas. Constatado a deterioração de seus rins, entrou na lista de transplantes. Meses depois, foi alertado para se preparar. Veio para Campinas. Estava sereno, confiante, esperançoso. Mas também estava preparado para a eventualidade de morte. Deixou documentação e finanças em ordem, o filho e a esposa sabendo de tudo, nenhum problema a resolver.
Em suas duas últimas ministrações tratou justamente do seu livro O Jesus Humano. Na C.E.U. – Comunidade do Estudante Universitário, num domingo, e, no sábado seguinte, à noite, com o grupo de BH. Na madrugado do domingo, recebe telefonema para se dirigir ao Centro Médico de Campinas pois um rim estava disponível. Feito o transplante, tudo transcorria bem conforme esperado. No terceiro dia surgiram complicações respiratórias, parada cardíaca, por 7 minutos e constatado edema cerebral. Luta em várias frentes. Diálise lenta, intubação por um tempo, traqueostomia, extubação, diálise continua, e, agora, cuidados paliativos após conselho familiar e médicos.
Numa enorme família, comum vários entendimentos e reações e desejos. Conseguimos estabelecer um trio para administrar a relação com a equipe hospitalar e a família. E ter as informações técnicas, exatas e realismo diante do quadro. A Luia, a irmã mais nova, eu e o filho Lucas- ouvida sempre a esposa Claudia.
Bem relacionados, ele, a Claudia e o Lucas, recebem apoios diversos, além de orações que são dirigidas a Deus. A equipe hospitalar muito bem preparada e acolhedora, o hospital equipado com o que há de melhor tecnologia disponível, tudo isso nos tem trazido conforto e gratidão a Deus.
Para os familiares e os mais íntimos, um tempo cheio de perguntas e temores que nos tocam no mais íntimo do nosso ser. Nosso inconsciente sabe, o corpo sabe. No consciente é que tememos o desconhecido e a possibilidade de não sermos o que somos, do eu deixar de ser eu. Diante do irmão, pai, esposo sob risco de morte, encontramos um eco em nosso coração. Uma identificação solidária. Mas algo em nós resiste e não aceitamos o morrer assim, incomunicável. Vê-lo envolto num mutismo vazio.
Resistimos por termos apreço à vida, mas o real é paciente e nos chama. Desperta-nos a consciência da finitude, tão presente, que se mistura com o anseio pela eternidade. Como dito no Eclesiastes “ Deus pôs a eternidade no coração do homem” (Ec.3.11).
Tempo precioso de espera que impõe reverência, que nos convida ao silêncio de escuta da própria alma. “Quem tem ouvidos, que ouça, o que o Espírito diz”. Tempo propício para nossa humanização – na recordação de que somos constituídos pelo pó, como outros seres, do mesmo barro. Pó que volta ao pó enquanto o espírito voa para Deus.
Lembrar que somos agraciados pelo sopro que nos confere a imagem e semelhança divina. Aqui a diferença que possibilita nossa travessia serena deste interstício. Nada de morbidez, lamentação desesperançada, queixumes, culpas. Chorar, sim, como quem tem esperança. Uma separação temporária.
Sabemos que, em Cristo, o corruptível será revestido da incorruptibilidade, e o mortal, da imortalidade (I Co.15). Cremos na ressurreição do corpo. Uma nova biologia nos aguarda, como a do corpo de Cristo ressurreto.
E então iniciaremos uma nova etapa. Infinita plenitude do gozo, alegria, comunhão entre todos os seres e o Criador.
AgHL. 04/12/24
O Jesus Humano Pr. Abdênago Lisboa Jr. – Ao Vivo Igreja Batista do Jd. Bom Retiro – Sumaré/SP https://www.youtube.com/watch?v=unPhiP4t27c
